quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Dançar sob o signo da Rosa

O quarto era iluminado apenas por uma lâmpada em cima da cómoda. Benedita de Queirós estava de pé em frente a esse móvel antigo corroído pelo tempo. Era composto por três grandes gavetões, cada um deles recheado não de objectos mundanos, mas de memórias de uma vida. A viúva contemplou o seu rosto no redondo espelho pendurado na parede caiada e na superfície apenas estava reflectida uma Benedita cansada e indiferente.


“Como mudaste Benedita”, pensou. A cómoda era de madeira escura e tinha um padrão com rosas ao longo de todo o tampo. Naquela noite, Benedita quis senti-lo. Fechou os olhos e com os seus dedos rugosos, sentiu a textura daquela áspera madeira, e identificou – uma a uma – todas aquelas rosas que para ela, tinham o poder de encerrar em si o verdadeiro significado da vida. “Todos nós somos Rosas. Em nós, temos escondida a essência para brotar a mais bela da flor escarlate”, sussurrou-lhe uma voz.


Abrindo os olhos levou ambas as mãos ao topo da sua cabeça, penetrando os seus dedos na sua cabeleira branca e suave. Os cabelos aveludados passavam entre os dedos de forma subtil, fazendo com que Benedita se arrepiasse com o passar da sua cabeleira nas rugas das suas mãos. Queria decorar o que sentia ao tocar no seu cabelo, queria mostrar ao seu tacto sinais de prazer, de caricias que já não recebia, de atenção que já não tinha. Inspirando fundo, sentiu o frio do quarto a invadir os seus pulmões e Benedita sabia que cada respiração, cada inspiração daquele arrepiante ar, lhe tirava apenas o folgo de viver.


O respirar da viuva Queirós tornou-se acelerado. O frio tornou-se intenso. Um estranho vento percorreu todo o seu corpo, fazendo com que todos os poros de sua pele se arrepiassem. Os seus pés descalços, bem juntos, sentiam um chão desconhecido de pedra irregular, que lhe sugava o calor de todo o seu corpo. Benedita não sabia onde estava, apenas que já não se encontrava no seu quarto. Como se tinha formado uma estranha bruma negra, ela não conseguia ver nada ao seu redor. Esticou ambos os seus braços, sentido o que estava em seu redor. Benedita sentiu então a parede, sentiu-a com as mãos e com todo o seu corpo. Juntando-se a ela, conseguiu percorrer a sua rugosa textura que se assemelhava bastante à sua pele. Com a cara, absorveu aquele frio húmido que preenchia toda aquela parede, transmitindo a Benedita o sentimento de vazio, de tristeza e de completa infelicidade.


“Pois é no verdadeiro vazio que encontrarás o elixir da felicidade”, sussurrou-lhe novamente a voz. Benedita de Queirós não compreendia, o desespero levou-a a gritar bem alto, sentido um forte rasgar na sua garganta em cada berro seu. Como que em resposta a este berro, qual grito tribal, apareceu-lhe à sua frente um homem com os seus 30 anos, vestido de fato negro, camisa vermelha e gravata negra, segurando nas suas mãos uma bela rosa escarlate que detinha o poder de iluminar ambas as criaturas, naquele estranho lugar. “Procura sempre no teu interior as respostas que procuras. Lá, acharás a chave para abrir os portais do amor e da paixão”, disse o homem. Benedita sentiu um aperto no peito, aquele homem com cabelo negro e cara fina, com uma voz grave e profunda que lhe tocava no coração, era António de Queirós, o seu falecido marido. Correndo para os seus braços, encaixou a sua testa no peito de António, sentindo as caricias que já tinha esquecido. Começando uma dança sem musica, ambos dançaram sob o signo da rosa, que nada é mais que a essência de cada Homem.


Benedita elevou a sua mão direita à cara do seu amado, sentindo a sua barba picar nas suas mãos, experimentando os lábios carnudos e húmidos de António e sentido os seus grossos cabelos negros por entre os seus dedos. Nesse momento, Benedita abandona todo seu sentido de tristeza e infelicidade, deixando o seu corpo repousado junto daquela velha cómoda e seguindo António de Queirós naquela dança, que a acompanhará pela a eternidade.


Que todos descubram a vossa Rosa interior,

João Pais

(in Oficina da Escrita Criativa, reunião acerca do tacto)


Nota Pessoal: Não gostei muito deste texto, mas pronto. Para mim, até agora, é o sentido que me custou mais escrever!

2 comentários:

Anónimo disse...

Brilhante! O melhor até agora. Fantasia sublime!
Continua, estás no topo.

Fernando José Rodrigues disse...

Muito bom.
Abraço
fjr